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Se alguém, ados tantos anos, ouvir o relato de Jeansenpater do Divinamor Faria se sentirá tão atraído por seus feitos que o imaginará um Cavaleiro Templário defendendo o Santo Graal e à donzela Blanchefleur, ou então um jesuíta Aspicueta com sua batina surrada e suarenta. Na verdade este relato fora recheado por muitos papos que tivera com alguns turistas, regado a farto vinho verde e espumoso, que começou a bem saborear, nos restaurantes e pubs margeando o Caminho de Santiago, jamais no peregrino andar com esforço. Mas, como vale a versão e não o fato, o relato lhe conferiu uma aura de eremita e anacoreta. De desertor e fugidio, transformara-se em um penitente em promessas e obediências, sem a ousadia de aceitar a tonsura, nem a concessão por submissão à disciplina monacal. Ou seja, adquirira a aura de monge em batina surrada e sudoral sem que lhe vissem nem mesmo uma barba postiça. Um frei postiço, de enganação e de mentira, diferente de um frade de carnaval, por perigoso, enganador e sem qualquer graça. Enganosa e desgraciosa, porém, tinha sido uma viagem que fizera um pouco antes, quando era ainda estudante universitário de Engenharia à cidade de São Salvador da Bahia de todos os Santos. O assunto ali vivido nunca tivera qualquer repercussão, por sem maiores traumas numa viagem cheia de muitos fatos e relatos, em que Jeansenpater do Divinamor Farias, Celso Augusto da Purificação, um carola da Juventude Estudantil Católica, a JEC de então, Adamastor Pedroso, vulgo Maresia, o que a tudo comia e ruía, e o próprio alcunha o definia, e o livre pensador Natanael Miranda, mais conhecido como Natanas, colegas de universidade, visitando Salvador da Bahia. Dos quatro, só Natanas conhecia a cidade, o resto era marinheiro de primeira viagem. Adamastor Maresia, que gostava de valsar nos puteiros e freqüentar o mulherio, uteiro e Ca Juventude Estudantil Catcerda como o desejo de irem todos assistir um Te Deum na Igreja pediu a Natanas que o levasse à zona do baixo meretrício, mas precisamente à Boate 63, famosa por possuir camas redondas, uma novidade naquele tempo. Na verdade, o seu desejo era enfiar Jeansenpater Divinamor num destes ringues amorosos para que uma profissional compreensiva lhe desse uma chave de coxa e o iniciasse nos jogos do sexo. Há homens que não se satisfazem com a própria promiscuidade em vida esbórnia e dissoluta. Querem que todos os varões sejam como eles; libertinos e indecentes. Parece-lhes que há uma necessidade de purificação com a impudicícia inserida em todo universo masculino. – Não se deve confiar num homem que chega donzelo ao casamento! Dizia Maresia, entre dentes, julgando maior a sua filosofia. Jeansenpater que àquele tempo, pensava converter Maresia, meditando no além do homem e pensando estar desvendando o seu livro de cabeceira, Assim Falou Zaratrusta, confiou nos colegas, nada sabendo daquele intento em fingimento. Sim, porque foi com bastante fingimento que se dirigiram à Cidade Baixa, descendo o elevador Lacerda com a desculpa que todos iriam assistir a um Te Deum na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Divinamor e Celso da Purificação, colegas da JEC, acharam formidável o programa porque travariam conhecimento com Frei Nepomuceno de Mafra, colega de Frei Ambrósio, o frade que liderava os estudantes na Igreja de Santo Antão Salvador. E assim, foram todos assistir a novena. Findo o ato e recebida à benção do Frei Nepomuceno, os quatro amigos resolveram retornar à pensão onde estavam hospedados, não mais voltando pelo elevador Lacerda, mas bordejando as calçadas da ladeira da montanha. Na verdade Jeansenpater e Purificação assim não desejavam, mas como não sabiam voltar para a pensão, que ficava lá pros lados dos Barris, e temerosos em se aventurarem sozinhos por ruas escuras e estreitas, tiveram que seguir os dois amigos, agora indo a pé, “na palheta”, como se dizia então, subindo a ladeira da montanha. Os que travaram conhecimento com a ladeira da montanha da cidade de Salvador daquele tempo, sabem que por ali era farto o comércio de sexo. Nada que fosse agradável contempla-la, porque era um retrato da decadência e da miséria; uma verdadeira cloaca por onde escoavam as fedentinas do ser, que para ali ia em busca de alimento, gozo e degradação. Suja, escura, escorregadia e mal cheirosa, a ladeira era um cenário rico de traumas, de risos nodosos, de desvairadas vidas e de desbotadas cores. Um verdadeiro penitenciário de infindas culpas e imprescritíveis horrores. Um santuário também em meio a tantas repugnâncias de desgraças e de pavores. Um sacramental confiteor por não litúrgico, e só profano, mas por mais sagrado, mais chorado e mais sofrido. Cenário que só a curiosidade dos jovens e a pequenez humana se inebriam, despertando ora a aversão e o orgasmo, ora a indiferença e a absolvição. E os quatro rapazes sentiam o que viam, ilhados em sofrimentos e miséria. Aquilo fora demais para Jeansenpater do Divinamor Farias. Poderia ser tudo, um fraco, um indeciso, jamais um dissoluto, um desregrado, um devasso, um crápula e um libertino. Mas, naquele grupo existia um libertino, um desregrado moral. Era o debochado Adamastor Maresia, que em vendo Jeansenpater chorar os dramas das meretrizes, comentou divertidamente insinuando-o como delicado, por demais. – Adamastor, verberou Divinamor com o seu melhor de Nietzsche – “Há homens que nascem póstumos”. Você nasceu impostor, Adamastor! Você pode ter nome de herói de opereta, mas não a de um canastrão de lupanar. Debalde dizer que os dois entrariam em vias de fato, não fossem os previdentes Purificação e Natanas que conseguiram separar os contendores. Ficara, porém, como um epitáfio de toda a cena, este último conceito expelido em cusparada de desprezo. – Divinamor, replicou Adamastor zombeteira e nauseadamente, – Até hoje eu pensei que você fosse do time dos homens! Pelo que eu estou vendo agora, você joga é no outro lado! Mas Jeansenpater não era nem efeminado, nem preconceituoso contra isso. Ficou, porém, esta história desgraciosa ensejando algumas desconfianças.