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Profª Drª Andreza Maynard
Universidade Federal de Sergipe
Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)

No dia 4 de abril, Maria e o Cangaço estreou na Plataforma Disney+. A série é inspirada em fatos históricos e apresenta, além de Maria Bonita e Lampião, diversos personagens instigantes. Um deles chama atenção pela pouca idade que aparenta, e o público pode até questionar se o cangaceiro mirim realmente existiu. A resposta é sim. Ele era conhecido como Volta Seca, entrou para o grupo de Lampião aos 11 anos e concedeu várias entrevistas.
Em 1929 Virgulino Ferreira da Silva ava pela Bahia, quando encontrou Antônio dos Santos, um sergipano que, com apenas 10 anos, já havia cometido um homicídio. O menino entrou para o grupo. Foi preso pela primeira vez, em 1932, pela polícia baiana. Julgado enquanto ainda era menor de idade, foi sentenciado à pena máxima e enviado para a penitenciária em Salvador. Lá tomou conhecimento de que se tornara um personagem no romance Capitães da Areia, de Jorge Amado. Não aprovou por entender que a menção na obra literária, como um reles menor infrator, estava aquém de sua importância.
Vota Seca escapou da penitenciária algumas vezes. Numa dessas ocasiões, em fevereiro de 1944, viajou a pé pelo litoral da Bahia rumo a Sergipe, na companhia de Manuel Porfírio, um detento que cumpria pena por homicídio. Depois de 20 dias caminhando, os dois acabaram presos pelo cabo da polícia sergipana Mário Magalhães, quando seguiam em direção à Usina Castelo, em Santa Luzia do Itanhi.
Levados a Aracaju, os dois fugitivos foram reconduzidos a Salvador no dia 07/03/1944. Eles estavam sob escolta policial, comandada pelo inspetor geral Simeão Sobral. Nesse mesmo dia, a Estação da Leste foi tomada por uma massa cada vez mais volumosa, e algo inesperado aconteceu.
Aos gritos e aos empurrões, as pessoas estavam indo ao encontro de Volta Seca. Este compreendeu o prestígio que o circundava. Envaideceu-se. Ao invés de se esconder, sentou ao lado da janela, fez questão de ser visto, distribuiu sorrisos e interagiu animadamente com os presentes. O alvoroço foi grande. O jornal Correio de Aracaju registrou que chegou a haver casos de desmaio e de braço fraturados na multidão. Tudo isso para prestigiar o ilustre viajante que deveria partir no trem das 17:20h.
Ao contrário do que se esperava, a presença do ex-cangaceiro e fugitivo da justiça não parecia causar temor. As pessoas se sentiram atraídas por Volta Seca, que se não chegava a ser considerado bonito, tão pouco fazia o tipo mal encarado. Sempre teve uma estrutura física frágil. Foi justamente pela aparência “franzina” que Lampião lhe deu a alcunha de Volta Seca. Já o médico Arthur Ramos, após avaliá-lo, declarou que lhe faltara “qualquer sinal de degenerescência”.
Depois de cumprir 20 anos de reclusão, Antônio dos Santos foi indultado pelo então presidente Getúlio Vargas e deixou a penitenciária como um homem livre. Faleceu em 1997. Conforme mencionado no início, concedeu inúmeras entrevistas, inclusive para jornais e revistas de circulação nacional. Neste ínterim, ele chegou a ser entrevistado por Joel Silveira, Ziraldo e Millôr Fernandes.
Numa das poucas cenas em que aparece na série Maria e o Cangaço, Volta Seca está diante de um grupo de jornalistas falando sobre a sua experiência ao lado de Maria Bonita e Lampião. Esse será o mote das entrevistas que Antônio dos Santos irá conceder na vida real. O cangaço enquanto fenômeno social deixou de existir, por sua vez a história do cangaço permanece viva e, portanto, dinâmica.
As pessoas continuam a se interessar pelo cangaço, um tema que precisa ser lido numa perspectiva crítica. E isso vale tanto para a série, que enaltece a figura de Maria Bonita, quanto para as entrevistas concedidas por Antônio dos Santos, que apesar de se constituir num rico material para quem deseja saber mais sobre o cangaço, carregam uma visão romantizada sobre o banditismo e o ado do entrevistado.
Feita esta ressalva, é necessário itir que as histórias contadas por Volta Seca fascinam. Afinal de contas, Maria Bonita e Lampião levaram o garoto sergipano aos mais impensáveis lugares, até mesmo à Disney.